Um vídeo recente de um famoso cantor evangélico onde ele defende a cobrança de dinheiro nos cultos pelos cantores e pregadores itinerantes me chamou a atenção essa semana, principalmente porque outro vídeo circula nas redes sociais onde uma irmã de uma cidade do interior do Rio Grande do Sul refuta o cantor (que também é pastor)
Me sinto na obrigação de também comentar o tema, uma vez que o assunto foi pincelado na internet e já está provocando várias manifestações entre os internautas.
Em primeiro lugar quero dizer que não tenho nada contra a classe itinerante, nem também nada pessoal contra os que defendem o cachê de suas apresentações.
Dito isso, vamos lá:
Já adianto que minha análise será impessoal e terá por referência principal a Bíblia, que é minha grande fonte de consulta, e minha regra de conduta e fé.
Investiguemos o que a Palavra diz sobre o tema: Salário de Pregador e Cantor Cristão
Então o Senhor disse a Arão: “Eu mesmo o tornei responsável pelas contribuições trazidas a mim; todas as ofertas sagradas que os israelitas me derem, eu as dou como porção a você e a seus filhos. Num 18.8
Dou aos levitas todos os dízimos em Israel como retribuição pelo trabalho que fazem ao servirem na Tenda do Encontro. Num 18.21
No passado tínhamos uma classe de adoradores que de fato recebiam para ministrar no templo, os sacerdotes e os levitas esses últimos (funcionários do templo)
Abraão de Almeida escreveu a respeito dizendo que os sacerdotes serviam a Deus e os levitas serviam os sacerdotes (Almeida, 2002)
O que destaco no salário dos sacerdotes e dos levitas é a fonte pagadora; dízimos e ofertas vindo do povo.
O segundo ponto é como viviam os profetas no Antigo testamento?
Destaquemos os profetas Elias e Eliseu, conhecidos como profetas de poder, também chamados de profetas orais, por não deixarem livros escritos.
Elias não tinha morada fixa, não tinha salário, e no auge do seu ministério, tinha apenas uma muda de roupa, morou no deserto, foi sustentado por corvos e depois por uma viúva que mal tinha o que comer. Não se tem relato bíblico que tenha tido uma vida confortável até o seu traslado ao céu.
Eliseu, substituto de Elias, apesar de ser um poderoso profeta com uma unção até superior ao do seu mestre, seguiu os passos do seu mentor espiritual, e tudo que conseguiu foi um quarto emprestado onde a mobilia era uma mesa, uma cadeira e um candeeiro. Quando finalmente teve a oportunidade de receber um bom salário pelo milagre que havia operado na vida de um oficial sírio, rejeitou o presente por reconhecer que era apenas um mordomo do Deus que servia e que não poderia se aproveitar do dom que lhe foi dado, em beneficio próprio.
João Batista tinha características semelhantes a do profeta Elias, sem salário, totalmente na dependência de Deus, viveu no deserto, comeu gafanhotos e mel silvestre, sua roupa era idêntica a do profeta trasladado, e a coragem era a mesma, só não era milagreiro. (Zibord, 2018)
Falemos ainda sobre o Profeta Jesus, que não tinha salário (vivia de doações), não tinha casa própria, morava na casa de Pedro, não tinha transporte (usou um jumentinho emprestado), embora tivesse tesoureiro para tal como as igrejas receberem as ofertas, para pagar o imposto do templo dele e de Pedro teve que mandar Simão pescar um peixe que havia engolido uma didrácma, (valor de 2 dracmas), moeda grega correspondente ao denário romano que era uma moeda de prata (Unger, 2006)
Notem que na missão dos setenta, o Senhor ordenou:
E lhes orientou: “Nada leveis convosco pelo caminho: nem bordão, nem mochila de viagem, nem pão, nem dinheiro e nem mesmo uma túnica extra. Lucas 9:3
Isso fala de fé e de total dependência de Deus, teriam que passar por aquele teste para receberem seus diplomas e credenciais que lhes habilitariam para a missão maior.
Mas como foi então o ministério dos apóstolos? De que viviam?
Jesus havia dito
Pondo-vos a caminho, pregai que está próximo o reino dos céus. Curai os enfermos, ressuscitai os mortos, limpai os leprosos, expeli os demônios; de graça recebestes, de graça dai. Não vos provereis de ouro nem de prata, nem de cobre nas vossas bolsas; nem de alforge para o caminho, nem de duas túnicas, nem de calçado, nem de bordão; pois digno é o trabalhador do seu alimento.
Mateus 10:7-10
Tudo nos leva a crer que viviam de ofertas
Como vocês sabem, filipenses, nos seus primeiros dias no evangelho, quando parti da Macedônia, nenhuma igreja partilhou comigo no que se refere a dar e receber, exceto vocês;
pois, estando eu em Tessalônica, vocês me mandaram ajuda, não apenas uma vez, mas duas, quando tive necessidade.
Não que eu esteja procurando ofertas, mas o que pode ser creditado na conta de vocês.
Recebi tudo, e o que tenho é mais que suficiente. Estou amplamente suprido, agora que recebi de Epafrodito os donativos que vocês enviaram. São uma oferta de aroma suave, um sacrifício aceitável e agradável a Deus.
(Filipenses 4 15-18)
Com certeza os apóstolos obedeceram ao Senhor, e não se viu nenhum deles usando INDEVIDAMENTE o dom que haviam recebido e todos eles morreram pobres. (Cesaréia, 1999) (González, A Era dos Mártires, 1995)
Pedro já profetizava o que ocorreria em nossos dias
E por avareza farão de vós negócio com palavras fingidas; sobre os quais já de largo tempo não será tardia a sentença, e a sua perdição não dormita.
2 Pedro 2:3
Mas ninguém melhor que Paulo para falar sobre o assunto:
…e atritos constantes entre pessoas que têm a mente corrompida e que são privados da verdade, os quais pensam que a piedade é fonte de lucro. De fato, a piedade com contentamento é grande fonte de lucro, pois nada trouxemos para este mundo e dele nada podemos levar; por isso, tendo o que comer e com que vestir-nos, estejamos com isso satisfeitos.
1 Timóteo 6:5-8
Parece que o modelo atual de busca pelas riquezas que alguém enxerga no cristianismo veio da união do Estado com a igreja em 313dC (González, 1998) (Cairns, 1995)
Nessa época, os bispos passaram a receber salário do estado e não dependiam de ofertas. Até ai tudo bem, mas a igreja enriqueceu e passou da clandestinidade e perseguição para a liberdade o status e o gramour. Palácios foram doados para servirem de templos cristãos e até hoje existem. A igreja se prostituiu na doutrina e os cargos eclesiásticos passaram a ser um sonho para muitos pelos beneficios que os acompanhavam. (Cairns, 1995)
Mas a partir de 1060, os leigos Paulicianos, Bogomilos, Albigenses, os Valdensses, os Joaquimitas, Lollardos, Hussistas, começaram uma reforma na igreja que infuenciaria o padre Savanarola, John Huss e o Monge Martinho Lutero em 1517, todos com a intenção que a igreja retornasse aos princípios cristãos. (Cairns, 1995) (Walton, 2000)
Depois vieram os movimentos da pietista e da santidade, de onde surgiram os pentecostais que mantiveram a busca pela vida sem ostentação, simples e sem exploração da igreja. (Walton, 2000)
Mas nos anos 70 surgem no Brasil os neopentecostais que influenciados pela teologia da prosperidade vinda dos Estados Unidos, anunciariam que quem é cristão fiel a Deus biblicamente tinham que ser ricos. Nasciam os grandes larápios da fé, os vendilhões do templo, mercadores do evangelho, sugadores dos sangue cristão, que sem piedade distorceriam a Bíblia com o claro intuito do enriquecimento ilícito. (Pieratt, 1995) (Romeiro, 2007) (Romeiro, Evangélicos em Crise, 1999)
Não quero após toda essa exposição bíblica, histórica e teológica dizer que seja pecado alguém receber dinheiro para participar de um evento como pregador ou cantor.
Não quero dizer que seja crime ter um empresário ou assessor para cuidar da agenda de alguém, mas é preciso ter bom senso, acabar com o estrelismo, não agir como artistas mundanos, isso é o grande problema dos que hoje cobram sua participação nas igrejas, cobram valores exorbitantes que chegam a R$ 250.000,00 por 2 horas de apresentação. Exigem coisas extravagantes, surreais para algumas comunidades evangélicas, não se contentam com ofertas, fazem acordos prévios e algumas vezes atrelam a sua ida a pagamentos adiantados.
Mas não culpo apenas os artistas gospel por essa nefasta fotografia da igreja atual, os pastores também são atores participantes nesse cenário de horror espiritual, eles são os segundos culpados nessa história. Alguns promovem o evento e cobram ingressos da igreja, ficando uma parte do lucro com eles. Outros não cobram ingressos mas fazem campanhas constrangendo os irmãos a comprarem materiais do convidado, e ainda outros fazem o evento e chamam quem está na mídia como uma espécie de ostentação de seu ministério.
O terceiro culpado dessa tragédia é a própria igreja que aceita esse tipo de espetáculo circense, e ainda idolatram o pregador ou cantor que os exploram.
Não alimento o bolso e nem o ego dos famosos da igreja, por mim, eles só receberiam ofertas dentro da liberalidade e condições da igreja. Além disso, quem não adora, não canta e nem prega na igreja que pastoreio. Quer se apresentar? Quer dar show? faça como a Banda Catedral e outras, procure o lugar adequado, ai até posso pensar em ir me divertir, mas pagar para cultuar, não parece sensato.
Fontes: http://www.genizahvirtual.com/2011/07/ana-paula-valadao-esta-sendo.html
R.A